terça-feira, 22 de maio de 2012

ESPUMAÇÃO


Espumação

Inevitável invasão canta o mar,
segredos profundos entranham aberto peito,
espuma sal.

Livre inquietude lambe imensidão,
desata ensolarada manhã.

Na boca do ouvido zumbe azul,
Orações de céu verde sagra esperança
preces na concha carnal.

No início do aclive branco
esquina liberdade ungida,
estrelas dançam,
circula destino em trilha de sonhos ingênuos.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Lá do pé de Bocaiuva


Lá do pé de Bocaiuva



Um pé de Bocaiuva é um bosque, uma floresta, um capão santo.  Na dimensão da verde inquietude é canção, desejo intenso, cortejo do vento, montanha de fé.

Pé de Bocaiuva é nutrido de sol. Projeta cinema vivo, com exibição de documentários sobre fauna e flora. Espetáculos de araras, poéticas orquídeas e pactos de lagartas que fogem em trilha de esperança para enfurnarem avesso, dormirem lapso limite na sustentabilidade do tronco forte da Bocaiuva.

Bocaiuva é um pouco uva. Polpa doce, amarelo-surpresa, alegra rusticidade, exercita alicates-bicoides, apraz línguas oblíquas, sacia olhos do mato.

Um pé de Bocaiuva é recinto de banquetes ao ar livre.  

Vanda Ferreira. 

segunda-feira, 7 de maio de 2012

AVESSO


Avesso



Avesso é a parte oposta ao lado direito, ao lado pré estabelecido como principal. Parece-me que bastidores são o avesso de um espetáculo, de um palco, de uma costura ou um bordado...



Comumente observo os avessos dos tecidos para roupa do vestuário ou de cama, ou de mesa. Nas confecções o avesso é o lado escondido, o lado da trama, da tecelagem do bordado. O inverso do lado comumente dito de “direito”, sugestivo de que avesso é o lado errado, o feio, o escondivel.



Particularmente entendo que avesso é um documentário da verdadeira face de uma história, de uma essência, de um trabalho. Coisas têm avesso, pessoas, bichos, árvores. Tudo tem avesso. É no avesso que se identifica a realeza das minúcias de uma trama, o passo a passo da composição do roteiro do “direito”.



Avesso é um mundo condenado para permanecer oculto, fora de cena, calado, quieto. Um personagem de total beleza ímpar. Uma indiscutível nua verdade embutida pelo desprezo, escondida por hipocrisia.



Verdades me aguçam a fazer justas solenidades de reconhecimento, de forma que coroo o avesso, tranquila e segura, com base em meu critério pessoal, intelectual e filosófico. Elejo o avesso como direito, como público, como tese, documento ocular que testemunha linda nudez que definitivamente não corresponde ao errado.



Descobri tantos avessos belíssimos, como por exemplo, o avesso de mãe.

O avesso de mãe é inusitado modelo de benevolência. Tipo riacho de abundante bálsamo incentivador para a construção do bem. Avesso maternal é um aparelho musical emanando cânticos, ecoando flautas e canto de passarinhos; Um horizonte onde serena o olho do sol, onde fulgura o amor na resplandescência do tacho de reluzente ouro do arco-íris após a densa cortina de chuva; imenso jardim florido onde vadia cheirosa e fresca brisa coreografando revoadas de coloridas borboletas.



Avesso de mãe é celeste. Aconchegantes quartos lunares forrados de estrelas, e perfumados travesseiros florais tecidos de verde esperança. Avesso de mãe tem caminhos limpos, límpidos lagos azul e fartura de pomares maduros.



Penso que meu avesso é pespontado de mentira. Longos fios de cores intensas e quentes saltam e, sem constrangimento, invadem o lado direito para exercer a liberdade de expressão, hastear bandeira de puro sentimento, declaração de incondicional sentimento por meus filhos.



Mães mentem, frisam detalhes de seus filhos, tipo olhos, corpo, lábios, cabelos, afirmando que são os mais belos do mundo. Inocente afirmação de que seus filhos são os seres mais lindos do mundo. Do mundo!



Pensando bem, isto é a mais pura verdade maternal, afinal, o mundo de mãe é tão resumidamente povoado única e exclusivamente por seus filhos.



Vanda Ferreira

FAXINAÇÃO


Faxinação



             Minha mãe é visivelmente preocupada com limpeza. Limpeza da casa, da roupa, da comida. Mamãe fala de limpeza como se falasse de religião. Enaltece limpeza em diários discursos, empostando a voz e usando de expressão corporal para provocar, com excelência, sensibilização e convencimento aos seus entes familiares do dever e compromisso para com a adoção do costume quanto à higiene de um modo geral.



Mamãe é insistente com relação à limpeza porque a trata com uma importância vital. Porque em sua sabedoria trata de certo tipo de limpeza abrangente à belíssima condição de ser e estar.



A limpeza da qual mamãe prega é mais que uma limpeza de chão, de móveis, de utensílios e apetrechos. Ela ensina a importância de sermos limpos. Ela ensina a enxergar com olhos limpos. Ensina ter boca limpa, pensamento lavado. Ensina varrer o coração, escovar a carne e ventilar a alma.



Necessário faxinar os olhos, desfazer névoas que embusteiam a brancura do olhar, a transparência que favorece a leitura do bem, enxergar benevolências, declamar compaixão, declarar amor, proclamar preces de solidariedade.



Necessário despoluir, retirar o desprezível, reciclar certo lixo, poluição  vista no dia a dia, para enxergar as mensagens ocultas em entrelinhas de paisagens, de jardins, de movimentos que desfilam inescrupulosamente nas vias da vida. É necessário desentulhar o tapa-olhos para exibir luminosidade interior e promover leitura constante do slogan “Olhe para trás e siga em frente”.



Higiene bucal é mais que escovação dentária e uso de produtos dentífricos. Mamãe nos mostra um especialíssimo processo que higieniza o mal por meio de utilização de imaginário fio dental para descolagem de palavras negativas, destrutivas, agressivas. Boca suja profere maldições, fala com diabo... Boca limpa usa vocabulário doce, meigo, amoroso, generoso. Boca limpa fala com Deus.



O coração, por exemplo, é um tipo de ambiente público. Um tipo de órgão público, semelhante à mão que exige a aplicação de severos cuidados com abundância d’agua em contínuas lavagens para a retirada de possíveis germes a fim de evitar prováveis contaminações. Limpar o coração é preveni-lo de males contagiosos, tipo malquereres, ódios, desvelos egoísticos, malvadezas, e até mesmo fulminâncias que assassinariam a generosidade, a compaixão, o bem-querer e sentimento fraternal.



O pensamento é um poço infinitamente profundo. Um globo de paredes rugosas, cheias de esconderijos. Um ambiente que exige esperteza para o devido asseio. Limpar o pensamento exige a parceria do coração limpo, dos olhos limpos; da boca limpa. Assepsia é, verdadeiramente, o segredo da integridade individual para promover o bem global.



Evitar danos à integridade pessoal, comunitária e global é garantido com sistemático processo de limpeza individual. Hoje sei que devo limpar-me, desfazer de estrumes de meu banco de memórias.



Dedicadamente devo repetir o ciclo da faxina em mim. Limpeza tem a ver com paz. Limpeza é um fator fundamental para se estabelecer a paz. De forma que limpeza é uma questão de paz.



Eu exercito faxinas sistemáticas em mim.

Vanda Ferreira