De poeta e louco,
Todo mundo tem um pouco, exceto eu.
Vanda Ferreira
Acredito que o famoso ditado do pensador Philippe
Sotte: “De poeta e louco todo mundo tem
um pouco”, foi adotado em todos os continentes e repetido por todas as
gerações em discursos particulares e públicos.
Indiscutível que todos temos, mesmo, pelo menos uma
dose particular de poeta. Também acredito que todo mundo tem uma especial reserva
de loucura, para uso específico em inusitadas situações.
Bastam experiências profundas, para que o veio
poético aflore e a poesia salte dos olhos, pinte em um texto de carta ou de mensagem,
ou seja soprada numa prosa triste ou alegre.
Basta a expressão de amor sentido, um canto motivado
por paixão, um desapego ou chamego, um exagero qualquer, para extravazar a
mesmice e sangrar a especial porção da reserva que jorra o inédito, o
inesperado, o surpreendente estado de graça rotulado de “loucura”. E, assim, por
meio do advir de um novo ritmo, ou surgimento de um inédito tom ou nuance, expedem
atestados de loucura.
Sim, é verdade! Todo mundo tem um pouco de poeta e
de louco. Exceto eu que muito tenho de poeta e de louco.
Sou desvairada por palavras, por sombras solares e
conjunturas celestiais. Tenho dose exagerada de loucura para experimentar
chuva, escutar silêncio, ouvir cigarras, fugir da mesmice, driblar arapuás, e
caçar ideias em beira rio, em lenha queimando, em nuvens de questionamentos. Sou
doidamente apaixonada por formas, movimentos, folhas secas, vento, bichos,
árvores, cores...
Pulso sagrada desobediência.
Inquietação física que produz lentes especiais para desvendar teias construídas
nas noites de famintos forasteiros maquiavélicos.
Alimento o banco de minhocas com as supervitaminas
do barro, santifico árvores, idolatro pedras e outros elementos. Leio raízes, brechas
de luz, cicatrizes da terra.
Poetar é experiência dos olhos, do coração e da
pele. Poetar é releituralizar vestígios, é abrir feridas, sedar dores, roteirizar
tatuagens, viver a nudez da realidade.
E cuido loucamente da saúde de minha doidura. Asseio
o coração, faxino o cérebro, assopro feridas e organizo o cerne em posição
vertical para alcançar as lonjuras de amanhã.
Sou um perigo malicioso, invisto em sonhos e construo
importâncias com versos e prosas malucas.